terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Dois Horizontes - Machado de Assis


Um horizonte, — a saudade  
Do que não há de voltar;  
Outro horizonte, — a esperança  
Dos tempos que hão de chegar;  
No presente, — sempre escuro, —  
Vive a alma ambiciosa  
Na ilusão voluptuosa  
Do passado e do futuro.
Os doces brincos da infância  
Sob as asas maternais,  
O vôo das andorinhas,  
A onda viva e os rosais;  
O gozo do amor, sonhado  
Num olhar profundo e ardente,  
Tal é na hora presente  
O horizonte do passado.
Ou ambição de grandeza  
Que no espírito calou,  
Desejo de amor sincero  
Que o coração não gozou;  
Ou um viver calmo e puro  
À alma convalescente,  
Tal é na hora presente  
O horizonte do futuro.
No breve correr dos dias  
Sob o azul do céu, — tais são  
Limites no mar da vida:  
Saudade ou aspiração;  
Ao nosso espírito ardente,  
Na avidez do bem sonhado,  
Nunca o presente é passado,  
Nunca o futuro é presente.
Que cismas, homem? — Perdido  
No mar das recordações,  
Escuto um eco sentido  
Das passadas ilusões.  
Que buscas, homem? — Procuro,  
Através da imensidade,  
Ler a doce realidade  
Das ilusões do futuro.
Dois horizontes fecham nossa vida.


Machado de Assis, 1863. In: Crisálidas. Cf. Obra Completa, vol. III, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. 

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